Retrato Mobilidade no Brasil: Maria Beatriz Pestana Barbosa, Assessora Técnica na Companhia do Metropolitano de São Paulo
Entrevista
com Maria Beatriz Pestana Barbosa
Assessora Técnica da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ)
Maria Beatriz Pestana Barbosa, Assessora Técnica do METRÔ, compartilha sua experiência e sua visão sobre os principais desafios em termos de mobilidade urbana em São Paulo.
Para começar, você poderia falar um pouco sobre a sua instituição de trabalho?
A Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ) é uma empresa de economia mista vinculada à Secretaria dos Transportes Metropolitanos responsável pelo planejamento, projeto, construção, implantação, operação e manutenção de sistemas metroviário, ferroviário e sobre pneus para a Região Metropolitana de São Paulo. Além disso, também constitui objeto da empresa a construção e a comercialização de edifícios comerciais, residenciais ou obras de interesse público ou da empresa, bem como a construção de sistemas de transporte ou terminais de passageiros e a prestação de serviços ou comercialização de tecnologias no país ou no exterior. Isto está contemplando no estatuto social da empresa.
Neste ano em que o Metrô de São Paulo completou 50 anos de sua fundação, ganhamos o prêmio de Melhor Operadora de Sistema Metroviário, concedido pela Revista Ferroviária, e também o prêmio de Melhor Transporte Público, concedido pelo Instituto Datafolha. Foram prêmios importantes e muito significativos, que nos encheram de orgulho, uma vez que trabalhamos continuamente para oferecer um serviço cada vez melhor à população.
Em que consiste seu cargo atual?
Sou Assessora Técnica e atualmente trabalho na Assessoria da Presidência do METRÔ, área responsável por coordenar, acompanhar e monitorar a Estratégia de Longo Prazo, de 5 anos, e o Plano de Negócios do METRÔ do ano corrente. A preocupação maior nesse momento é a questão da sustentabilidade econômica da empresa passa pela transformação da organização, pela diversificação de seus negócios, incentivando uma reflexão voltada à maximização dos recursos organizacionais em prol do aumento das receitas acessórias. E estamos muito focados nesses desafios… São mais de 100 profissionais envolvidos em 20 iniciativas!
Acho que isto casa muito com a proposta que estamos trabalhando junto com a CODATU. Isto é, como é que eu olho para meu negócio e como repenso o meu negócio. Está sendo uma oportunidade interessante de, simultaneamente ao Plano de Negócios, participar nessa cooperação com vocês.
Desde quando você exerce este cargo?
Trabalho no METRÔ há 30 anos. Entrei recém-formada como Arquiteta e estou como Assessora Técnica há 7 anos. Construí uma carreira pautada na atuação em diferentes áreas da organização e em diferentes áreas de conhecimento. Acho que minha formação proporciona essa visão multidisciplinar. Foi uma oportunidade que o METRÔ me deu e, também, uma necessidade minha de ter mudanças constantes.
Qual a sua formação acadêmica e trajetória profissional?
Sou formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Comecei minha carreira profissional no METRÔ, como arquiteta, fazendo análise de projetos de novas estações e promovendo a adequação de estações e trens existentes, atuando com ênfase em paisagismo, acessibilidade e comunicação visual. Fui incorporando esses assuntos dentro da minha atuação profissional durante os 17 anos que atuei como arquiteta. Posteriormente, assumi cargos de liderança, atuando na área de atendimento ao usuário e atendimento à comunidade. Foi uma experiência muito desafiadora, porque o lidar com a acessibilidade me proporcionou contato com públicos diferentes e com a comunidade.
O que é o atendimento à comunidade?
Na Operação, temos a área de atendimento ao usuário e, na Expansão, a de relacionamento com a comunidade, gerindo os impactos das obras de expansão na comunidade. Comunicação e informação, sobretudo em casos de desapropriação ou reassentamento ou no entorno das obras, com problemas com barulho, com poeira, com trincas e rachaduras, por exemplo. Então, atuei tanto com o usuário em si, como com a comunidade e o futuro usuário. Desafiador!
Enfim, estas atividades se somaram a minha experiência em adequação da infraestrutura de transporte. Nessa época fiz um MBA em Marketing de Serviços na FIA, o que me proporcionou uma visão melhor para esta atuação. Em 2013, após 25 anos dedicados à área de Operação, fui para a Universidade Corporativa do Metrô (UNIMETRO). Conclui o meu Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela USP e, em seguida, fiz uma especialização em Educação Corporativa e em Design Organizacional. Por quatro anos, me dediquei à estruturação de treinamentos de formação e requalificação de profissionais e tive a oportunidade de trabalhar com o mapeamento e a gestão do conhecimento metroviário. Dei início também à implantação de oficinas de inovação, promovendo encontros entre profissionais de diferentes áreas do conhecimento para estruturação de soluções frente aos desafios propostos por diferentes áreas da empresa. É uma prática muito similar a que estamos desenvolvendo com vocês na Estação Palmeiras-Barra Funda. Em 2017, recebi o convite para integrar a Assessoria da Presidência e não hesitei em aceitar o convite para elaborar a estratégia do Metrô para os próximos cinco anos. Resumindo: 25 anos na Operação, 4 anos na UNIMETRO e 1 ano na Assessoria da Presidência.
Qual foi o tema do seu doutorado?
Foi relacionado à questão da adequação da infraestrutura de transporte para atender as necessidades das pessoas com deficiência visual. Não só a infraestrutura, mas o desenho do serviço e toda parte de comunicação e informação para este público.
O que te motivou a trabalhar com mobilidade urbana? Como você veio parar neste meio?
Acho que foi interesse e destino. Durante a faculdade eu fiz estágio no Departamento de Obras Públicas do Estado de São Paulo. Lembro-me de ter participado de projetos de cemitério, presídio, ginásio de esportes, rodoviárias, praças e parques. A equipe era muito boa! Os arquitetos de lá me ensinaram muitas coisas e acho que peguei gosto por edificações públicas… Eu também gostava muito das disciplinas de urbanismo e paisagismo. Ainda na faculdade fiz uma proposta de ocupação para o Parque do Rincão – uma extensa área entre as estações Penha e Vila Matilde, na época nem imaginava trabalhar no METRÔ – e meu trabalho de conclusão de curso foi uma proposta para o controle da ocupação no entorno da Represa de Jundiaí, em área de proteção aos mananciais. Trabalhei junto com um professor, na tese de doutorado dele, e foi exatamente este professor que me indicou para uma entrevista no METRÔ, assim que eu me formei. O METRÔ estava montando essa área na Operação, que iria fazer análise de projetos e análise de adequação das estações, e formou um grupo novo com profissionais recém-contratados. Vim trabalhar com o paisagismo das estações. O trabalho que eu trouxe e apresentei na entrevista foi exatamente o Parque do Rincão, que era paralela à linha de metrô, o que foi muita coincidência. Comecei trabalhando com manutenção de áreas verdes junto às estações e, logo em seguida, fui incorporada à equipe que estava estudando e propondo soluções para adequação das estações à acessibilidade, de forma a facilitar o acesso de pessoas idosas ou com deficiência. Em seguida comecei a participar das reuniões da Associação Brasileira de Normas Técnicas, justamente com esta finalidade: promover a acessibilidade às edificações, ao transporte e à comunicação… Acabei me aproximando dessas pessoas, entidades e instituições de reabilitação, me especializando nesse assunto! Na minha tese de doutorado – requisitos de acessibilidade para a mobilidade de pessoas com deficiência visual em estações metroferroviárias – coloquei foco não só na infraestrutura, que era preconizado pela norma, mata também na questão da informação sonora, tátil, visual e desenho dos serviços…
Que a ABNT não previa…
Não tinha esta ligação tão forte. Eram normas distintas: uma para comunicação, uma para piso-tátil, uma para estação, uma para edificação. Todas para acessibilidade em geral. Porém, no METRÔ, o público para que solicitava o serviço de monitoração e acompanhamento dentro das estações era 94% de pessoas com deficiência visual e 6% de cadeirantes. As normas de acessibilidade começaram muito por força das pessoas em cadeira de roda. Então, havia uma visão de acessibilidade focada em pessoas com deficiência física. Aí comecei a me interessar no motivo pelo qual as pessoas com deficiência visual pediam ajuda, no que a norma não atendia ou não pedia. A gente faz o projeto atendendo a norma, mas se a norma não atende uma necessidade, o projeto também não vai atender. Entrevistei 255 pessoas com deficiência visual e fui aprofundando para saber quais eras as dificuldades e no que podíamos melhorar. Existia toda parte de sinalização tátil já prevista em norma e implantada no METRÔ e a gente não entendia por que, ainda assim, as pessoas continuavam com dificuldade de locomoção na estação. O que mais me impressionou foi que, dentre os deficientes visuais, 90% das pessoas pedem ajuda nas estações e 10% circulam com uma relativa autonomia. Já no espaço público da cidade, 10% pedem ajuda e 90% andam sozinhos. No fundo, um sistema de transporte tem toda a complexidade da edificação, a questão do fluxo intenso de pessoas, as diferentes opções de rotas de acesso/saída, de embarque/desembarque. O fato de o METRÔ oferecer o serviço de acompanhamento fazia com que as pessoas pensassem: “Bom, aqui não preciso me preocupar em contar passos, aqui tenho ajuda, então peço”. Também colocamos em cheque o serviço de acompanhamento prestado: atendia completamente ou não? O que poderia ser melhorado? E em termos de comunicação? As estações não são padronizadas em termos de desenho e percursos, então as pessoas achavam mais fácil pedir ajuda.
Tive o privilégio de poder desenvolver esta pesquisa com o apoio de especialistas da SNCF e RATP, além de especialistas dos metrôs de Barcelona, Madrid e Londres. Durante as visitas técnicas aprendi muito sobre acessibilidade, mas, sobretudo sobre o envolvimento e a participação da população nas intervenções urbanas e sobre as etapas para definição de intervenções para restauração de edifícios históricos. Por exemplo, foi muito interessante ver a prática da SNCF em como priorizar os investimentos e em fazer experiências em estações-piloto convidando a comunidade para conhecer e opinar sobre as intervenções. Foi uma experiência muito boa de melhores práticas de outros sistemas.
Quais são os principais necessidades e desafios encontrados geralmente?
A questão da mobilidade é complexa em sua natureza: um público muito heterogêneo – com diferentes necessidades – mas cada vez mais exigente em seus direitos. Somado a isto, temos que tratar a mobilidade numa metrópole como São Paulo, com tantas desigualdades sociais e econômicas, com diferentes instâncias de governo para dar solução aos inúmeros problemas dos cidadãos. Acho que o maior desafio é dar continuidade à expansão da rede de transporte e simultaneamente intensificar o uso e a ocupação do solo nas áreas urbanas, garantindo não somente o transporte, mas a saúde, a segurança e a educação, sem expulsar a população para áreas mais distantes, baratas e sem infraestrutura. Um grande desafio é a governança necessária para implantação de projetos complexos e de longo prazo, que necessitam grandes aportes de recursos, em diferentes gestões e instâncias de governo. Muito se fala na parceria público-privada, mas acho que ainda a público-público é a mais desafiadora.
E, ainda, temos que lidar com a evolução tecnológica – sim, estamos numa mudança de era, com avanços exponenciais nas áreas de comunicação – que transforma a inovação em obsolescência em um curto espaço de tempo. Você faz um projeto, demora para implantar e, quando implanta, aquela tecnologia talvez já não seja a mais adequada.
De um ponto de vista mais pessoal, qual seria um o principal desafio em termos de mobilidade?
Não falaria em desafios, mas minha expectativa em termos de mobilidade. Gostaria de poder ir e vir com maior conforto e segurança no transporte público – tanto em trajetos curtos ou longos, na cidade ou entre cidades. Segurança em termos de agressão física nos transportes, mas também em termos de acidentes. Porém, a agressão física é a que me incomoda mais, porque a segurança operacional é mais pensada, mais tratada. A segurança pública depende do comportamento de pessoas; e pessoas são pessoas. A complexidade das grandes metrópoles exige destreza quando falo em conexão de diferentes modos de transporte. Contudo, vivemos num país que está envelhecendo e onde cada vez pessoas mais vivem sozinhas. Esse ponto também remete à segurança para o usuário saber que aquela é a melhor alternativa de trajeto, a mais barata, a mais rápida. Onde o usuário busca essa informação, principalmente as pessoas mais idosas?
Cada operadora possui a sua estratégia de embarque/desembarque, a sua estratégia de comunicação; cada bicicletário funciona de um jeito; cada pesquisa de cada operadora é feita de um jeito e não se consegue levantar indicadores comuns. Por que não se consegue construir um consenso e facilitar a vida do usuário? Todo mundo está buscando prestar o melhor serviço, mas ninguém quer mudar o seu jeito de fazer em prol de um modelo comum. O serviço de transporte – e os serviços em geral – precisam ser mais amigáveis, permitindo que as pessoas possam entrar em contato com outras pessoas e usufruir a cidade. Não ser um desafio e passar uma insegurança de forma que as pessoas não queiram usar.
Nesses encontros promovidos pelo CODATU, tivemos a oportunidade – e o privilégio – de conhecer experiências fantásticas de transformação de vilas e cidades a partir de intervenções na infraestrutura de mobilidade. Vimos que o objetivo não era só melhorar o serviço de transporte, mas a vida das pessoas. Para mim foi extremamente gratificante, um aprendizado ímpar. Acredito que a metodologia apresenta reforça a importância da pesquisa sobre o objeto de intervenção e sua relação com a cidade, aprofundando o levantamento de dados, análise e diagnósticos para identificar os desafios e as pistas para o projeto. É a hora de reunir todo mundo para aprofundar o problema e não só propor uma solução, do contrário a solução não vai ser boa.
Para finalizar, como você se vê nos próximos anos?
Onde quer que eu esteja, eu me vejo trabalhando, seja numa grande equipe o com pequenos grupos, sempre inovando e promovendo melhores condições de vida para todos os cidadãos, em São Paulo ou em outro lugar. O objetivo sempre tem que ser o de trazer um melhor serviço público para a sociedade. Acho que sempre podemos – e devemos – contribuir, a partir das nossas experiências individuais e coletivas, para fazer deste mundo um mundo melhor.
Entrevista realizada dia 19/07/2018.