O ROTEIRO DE CODATU SOBRE A MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL
CONFERÊNCIA CODATU XVIII
DAKAR, SENEGAL, DO 3 ATÉ O 7 DE OUTUBRO DE 2022
Após mais de 40 anos de trabalhos, reflexões, investigações e conferências que reuniram uma grande variedade de agentes da mobilidade urbana nos países emergentes e em desenvolvimento (decisores, profissionais, investigadores, peritos, doadores, ONGs, etc.);
Após a «Declaração CODATU de Lomé» em 2002, propondo princípios e ações a desenvolver para orientar as políticas de mobilidade urbana, e a Declaração da CODATU na Cimeira Mundial Habitat III, pronunciando-se sobre «a acessibilidade de que precisamos»;
Perante os desafios consideráveis que se avizinham para as cidades do Sul em matéria de transições urbanas, energéticas, digitais, de transformações sociais, de resiliência à mudança climática, à metropolitanização, à globalização e às pandemias;
Notando que a mobilidade urbana se tornou em um problema prioritário para as cidades do Sul – no qual se espera que as autoridades públicas locais e nacionais atuem-, mesmo ao ponto de fragilizar as próprias instituições, e convencidas de que a mobilidade urbana é uma componente essencial na luta contra as alterações climáticas e a poluição significativa observada em todas as áreas urbanas;
Perante a urgência de beneficiar da experiência das cidades confrontadas com problemas de mobilidade desde muito tempo, de não repetir os erros do passado e de adotar políticas públicas eficazes e virtuosas, é necessário implementar políticas públicas bem conhecidas: planificação da mobilidade integrada ao desenvolvimento urbano centrado nas pessoas e nas suas necessidades, limitando o lugar do automóvel; reforço das instituições e do dispositivo de coordenação entre os agentes envolvidos na cidade; investigação e instalação de um modelo de financiamento perene dos transportes coletivos confrontados com uma necessidade de desenvolvimento permanente; investimentos integrados numa visão multimodal da mobilidade que tenha em conta os modos ativos e a poluição urbana; reconhecimento do papel do transporte informal e integração dos operadores profissionalizados num sistema multimodal; constituição de observatórios locais que permitam dispor de dados de base sobre a mobilidade; tomada em consideração da necessária segurança das pessoas e do «género» no sector profissional dos transportes e da luta contra o assédio sexista e sexual;
Convencidos de que a mobilidade urbana de pessoas e bens é uma componente essencial para combater as alterações climáticas, mantendo o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C, e limitar a poluição importante detectada em todas as aglomerações.
O seguinte roteiro é adotado pela CODATU no final da Conferência realizada em Dakar do 3 até o 7 de outubro de 2022. Válido para a próxima década, o plano de ações proposto será seguido por um observatório imediatamente criado pela CODATU e seus parceiros. Terá por objetivo acompanhar a aplicação, no terreno, de todas as recomendações. O observatório publicará os seus resultados e análises anualmente para cada parágrafo ou é mencionado: Observatório
Dirigimo-nos sucessivamente a cada categoria de atores capazes de contribuir para a aplicação deste roteiro:
- Governos nacionais dos países em desenvolvimento e emergentes
- Governos locais e autoridades locais das cidades do «Sul», responsáveis por a mobilidade urbana
- Instituições Financeiras Internacionais
- Governos nacionais e locais dos países do «Norte»
Sem negligenciar os importantes esforços envidados nos últimos anos por numerosos governos, as políticas e práticas carecem por vezes de ambição e são demasiado frágeis para uma mobilidade urbana sustentável. Tendo em conta as falhas das políticas de mobilidade do Norte, largamente responsáveis pelas desregulamentações climáticas e para evitar fracassos e despesas públicas inúteis, inadaptadas ou ineficazes, apelamos a todos os decisores interessados para que estejam muito vigilantes quando:
– As infraestruturas rodoviárias são concebidas como projetos puramente rodoviários reservados aos veículos particulares, propensos a acidentes, não tendo em conta os modos ativos nem a utilidade urbana dos transportes coletivos, as especificidades do frete e da logística urbana. Sem estarem inscritas num verdadeiro planejamento do desenvolvimento urbano, acentuam, além disso, a tendência para a expansão urbana que afeita assim negativamente o desenvolvimento sustentável da cidade;
– O planejamento urbano não tem em conta o funcionamento real do mercado fundiário e a demanda, em particular dos mais desfavorecidos;
– As mais-valias fundiárias são realizadas em torno dos projetos de transporte, quando deveriam ser captadas em grande parte pelo poder público para financiar os transportes e não exclusivamente adequadas por interesses privados;
– As cidades novas estão desligadas da organização espacial preexistente. São o reflexo de uma renúncia de melhoria da cidade existente e negligenciam a sua acessibilidade multimodal
– Os projetos relacionados com a capacidade de transporte público são vistos como projetos de investimento desligados da realidade das necessidades das pessoas. Como estão isolados, não estão integrados num sistema de transporte verdadeiramente abrangente e planeado;
– A descentralização está incompleta e dilui as responsabilidades em matéria de mobilidade urbana;
– As soluções de transporte institucionais assentam em dotações para autocarros sem financiamento permanente da exploração;
– A falta de ambição nas tentativas de regulação do sector privado do transporte urbano, em particular informal, é fonte de numerosos males diversos: má qualidade de serviço, corrupção, fraude, accidentologia, falta de acesso a certas zonas, poluição, tarifas inadequadas, …. Enquanto o transporte informal tem verdadeiramente o seu lugar na organização de um sistema de transportes eficaz à escala de uma metrópole de que é, não só a solução mais adequada para a passagem para os eixos principais e a ligação fina das zonas periféricas e dos bairros, mas também uma componente importante da sua economia local.
Os esforços de luta contra as alterações climáticas serão vãos se as cidades do «Norte» e do «Sul» não se inscreverem rapidamente, cada uma no que lhes diz respeito, em trajetórias mais sustentáveis. A mobilidade urbana é uma alavanca essencial para infletir estas trajetórias. Ela molda as megacidades do futuro, assim como as cidades intermediárias e os espaços periurbanos. A população das cidades africanas vai aumentar em quase mil milhões de pessoas até 2050, o que faz da urbanização de África uma importante obra do desenvolvimento sustentável do planeta.
Apelamos, pois, a um novo esforço de solidariedade e de cooperação para que o Sul possa beneficiar da experiência e da experiência do Norte, financiar sem demora as infraestruturas indispensáveis para o desenvolvimento dos transportes públicos e dos modos ativos, organizar cidades do futuro que conciliem o desenvolvimento local e os desafios energéticos e climáticos. As cidades do Norte poderão igualmente beneficiar do retorno de experiência e das experiências realizadas nas do Sul.
É por isso que, numa agenda comum, apelamos às comunidades de atores do Norte e do Sul para um vasto esforço que visa:
Dirigido aos governos nacionais dos países em desenvolvimento e emergentes:
1 – A praça de pedestres na cidade e modas ativas em geral. Representam frequentemente mais da metade das deslocações e deveriam ocupar legitimamente uma parte proporcional do espaço público. Apelamos para que não se realizem ou reabilitem infraestruturas rodoviárias em meio urbano sem pensar em ciclovias, caminhos pedestres de qualidade e seguros. Observatório
2 – A profissionalização do transporte informal, sector onde enormes margens de progresso podem ser realizadas com poucos meios. Em cada cidade, apelamos à criação de uma instância de concertação com o setor informal a fim de melhorar o serviço prestado aos utentes, as condições de trabalho e de exploração do serviço e de pôr em prática iniciativas-piloto de modernização. Observatório
3 – Apoio à formação de todos os atores e à investigação sobre os sistemas de mobilidade urbana. As competências são essenciais para conceber e conduzir os projetos, controlar, organizar e integrar a oferta de serviços e a sua exploração: operadores, autoridades organizadoras, gabinetes de estudos, etc. Esta base de competências deve permitir a cada território desenvolver as suas soluções sustentáveis. Observatório
4 – A tomada em consideração da segurança e dos desafios de género nos sistemas de transporte (da formação dos profissionais aos usos e desafios específicos por género, nomeadamente a luta contra o assédio sexista e sexual, à feminização dos empregos e das formações). Em termos mais gerais, trata-se de tornar os sistemas de mobilidade inclusivos para todos os públicos. Observatório
5- A descarbonização da mobilidade urbana deve tornar-se progressivamente menos dependente do petróleo, intervindo sobre a oferta, mas também sobre a demanda através da estruturação urbana. Observatório
6 – A criação de observatórios locais e nacionais que permitam conhecer melhor as necessidades dos habitantes, orientar as políticas e avaliar a sua eficácia, cofinanciando a aplicação destes dispositivos. Observatório
7 – A estruturação e a densificação da cidade do futuro em torno de eixos de transportes coletivos fortes, prevendo reservas fundiárias ao longo destes eixos estruturantes e centralidades secundárias organizadas em torno de polos de intercâmbio multimodais ricos em serviços. Cada cidade com mais de um milhão de habitantes deveria, no mínimo, possuir o seu plano de extensão urbana que integrasse uma planificação das mobilidades, expressão de uma política de linhas fortes e de estruturação por polos secundários. Observatório
8 – A criação de um dispositivo de financiamento perene da mobilidade urbana, baseado em modelos económicos dinâmicos, equilibrados e sustentáveis e inspirando-se nas
numerosas práticas existentes nos países mais antigos urbanizados. Sem ela, não será possível alcançar progressos duradouros. A política virtuosa e poderosa recomendada para o conseguir é tomar progressivamente e simultaneamente medidas de limitação e tributação das deslocações motorizadas individuais, e de facilitação e financiamento em contrapartida dos transportes públicos que permitam políticas de tarifação ambiciosas. Observatório
9 – Para gerir eficazmente um sistema de mobilidade, é indispensável dar às cidades, estruturas descentralizadas ou desconcentradas, as competências, os recursos humanos e financeiros com um objetivo de desempenho e de resultado do serviço esperado. Com ou sem descentralização, a repartição das responsabilidades deve ser clara sobre o conjunto das temáticas de mobilidade urbana, o seja no mínimo: o estacionamento, a gestão do espaço público, dos modos ativos, a manutenção da rede viária urbana, a organização do transporte informal e do transporte coletivo institucional. As instituições criadas devem ser dotadas dos meios e da autoridade necessários para poderem exercer verdadeiramente a sua missão, numa escala espacial que corresponde à bacia de emprego. Observatório
10 – Em caso de doação de autocarro, é indispensável seguir os princípios da «Carta CODATU – GART da doação de material circulante reformado». Observatório
11- A montante dos projetos estruturantes ou das políticas previstas, recomendamos de um modo geral que se solicite a experiência internacional e o conselho global antes de qualquer decisão. A CODATU cria um conselho estratégico (conselho de sábios), neutro e independente, que pode ser solicitado para esse fim.
Dirigido aos governos locais e autoridades locais das cidades do Sul, responsáveis pela mobilidade urbana:
1 – As cidades do mundo devem cooperar de forma muito mais intensa. Apenas a partilha de experiências e os intercâmbios entre técnicos e decisores, a longo prazo, pode permitir evitar no Sul os erros das cidades do Norte e conseguir traçar o seu próprio caminho para fazer face simultaneamente aos desafios em curso da transição urbana e energética. A luta contra as alterações climáticas globais, iniciada pelas cidades do Norte é vã se, ao mesmo tempo, as cidades do Sul não forem acompanhadas para poderem tratar simultaneamente os seus problemas de mobilidade, os impactos no clima e a adaptação às alterações climáticas. A cooperação descentralizada é valiosa, mas são possíveis muitas outras modalidades de intercâmbio e de parceria que serão seguidas pelo Clube CODATU Internacional das AOM. Em particular, a orientação/companheirismo entre autoridades locais pode ser uma maneira muito eficaz de cooperar. Observatório
2 – A instauração de uma governação local eficaz da mobilidade urbana é fundamental para o êxito de qualquer projeto. Deve ser dotada de competências claras, poder exercê-
las verdadeiramente, dispor de um modo de financiamento suficiente e perene, e ter a capacidade de planificar a mobilidade futura e de pesar nas escolhas feitas em matéria de planejamento do desenvolvimento urbano e também de logística urbana. Este planejamento local poderá beneficiar da experiência e das ferramentas disponibilizadas pelo programa MobiliseYourCity. A criação e o desenvolvimento de autoridades locais organizadoras da mobilidade urbana em perímetros de territórios funcionais, como a área de emprego, deve ser encarada como um processo essencial, progressivo e fundamental. Observatório
3 – A criação das condições de uma exploração eficaz das redes de transportes públicos, como as obras rodoviárias que privilegiam os autocarros, a profissionalização da contratação com os operadores construída com base em objetivos de desempenho operacional e, por último, o rigor nos processos de aquisição de material circulante, são três condições absolutamente necessárias para melhorar a mobilidade urbana. Observatório
4 – A criação de observatórios da mobilidade urbana e de dispositivos de recolha de dados, que permitam conhecer melhor as necessidades dos habitantes e avaliar a eficácia das políticas e investimentos aplicados, constitui uma condição prévia para os outros projetos. Para a disponibilização de dados normalizados e abertos de mobilidade urbana para as cidades africanas, encorajamos as autoridades competentes a adotar o «pledge agreement» de DigitalTransport4Africa. Observatório
5 – A degradação da qualidade do ar e a poluição são verdadeiros problemas de saúde pública. No mínimo, as cidades com mais de um milhão de habitantes deveriam dotar-se de um observatório da qualidade do ar, apoiado por uma política ativa de redução da poluição. Observatório
6 – Os recursos humanos são determinantes na capacidade das autoridades locais para organizar eficazmente e melhorar a qualidade dos sistemas de mobilidade. Devem ser objeto de uma atenção especial a montante de qualquer projeto, em especial através da formação e da transferência de competências. Observatório
7 – Ao mais alto nível de decisão e a montante dos projetos estruturantes ou das políticas previstas, o contributo de conhecimentos técnicos e a experiência internacional podem favorecer a emergência de uma visão política indispensável. Os intercâmbios entre pares, as redes profissionais e o conselho estratégico (conselho de sábios) da CODATU podem ser mobilizados para esse efeito.
Dirigido às Instituições Financeiras Internacionais (IFI):
1 – Só podemos subscrever os compromissos dos IFIs em matéria de apoio aos transportes coletivos, componente essencial dos projetos de mobilidade. Os esforços empreendidos devem inscrever-se numa abordagem global (infraestrutura, mas também governação, estudos, planejamento, reforço do controlo da obra local, intermodalidade, integração urbana, descarbonização, condições de exploração, manutenção, etc.). Observatório
2 – Apelamos a que se examine com muita advertência os projetos de infraestruturas de mobilidade urbana que não se inscrevam numa visão global de um sistema de transporte multimodal à escala metropolitana e que não tenham em conta os «modos ativos». Observatório
3 – Para cada grande cidade onde intervém um conjunto de financiadores, deve ser criado um dispositivo de coordenação sob a forma de plataforma que agrupe a autoridade local e os locadores. Quando existe um planejamento de tipo SUMP e NUMP (MobiliseYourCity), ele deve tornar-se o quadro de referência da montagem dos projetos para abrir o acesso a financiamentos estruturados. Observatório
4- O reforço de capacidades e a formação, muitas vezes negligenciados, deve constituir uma componente importante de todos os projetos estruturantes de transporte urbano. Em cada projeto, 5% do montante mínimo deve ser consagrado à assistência técnica, à formação, ao apoio às autoridades organizadoras da mobilidade e ao dispositivo de acompanhamento, ex ante e ex post. Observatório
5 – Nenhum projeto deve ser lançado sem garantias sobre o financiamento sustentável da exploração e a estrutura do modelo económico subjacente. Observatório
6 – A montante dos projetos estruturantes ou políticos previstos, recomendamos que se recorra ao conselho estratégico (conselho de sábios) da CODATU.
Dirigido aos governos dos países do «Norte»:
1 – A ajuda ao desenvolvimento deve atingir os 0,7% do PNB e dar prioridade ao desenvolvimento urbano sustentável. Observatório
2 – Os dispositivos nacionais devem incitar as cidades e empresas do Norte a partilhar a sua experiência com as cidades do Sul, como o 1% transporte urbano adotado em França. Observatório
3 – Os governos locais responsáveis pela mobilidade urbana devem desenvolver cooperações com as cidades do Sul, pois é sua responsabilidade compartilhar sua experiência e contribuir para o surgimento de uma aliança das cidades do mundo para enfrentar os desafios planetários. Observatório