26 Abril 2018

Retrato Mobilidade no Brasil: Vicente Loureiro, Diretor Executivo da Câmara Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro

Entrevista
com Vicente Loureiro

Diretor Executivo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Estado do Rio de Janeiro

Vicente Loureiro, Diretor da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Estado do Rio de Janeiro, atua no planejamento urbano na Região Metropolitana do Rio de Janeiro há mais de 40 anos e nos conta suas motivações e os desafios atuais da sua instituição de trabalho e do setor de transportes e desenvolvimento urbano.

Você poderia falar um pouco sobre a sua instituição de trabalho e as funções dela?

Fonte: Câmara Metropolitana

A Câmara Metropolitana de Integração Governamental é um órgão criado com duas missões quatro anos atrás: restabelecer a governança na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e elaborar o primeiro plano diretor para o desenvolvimento integrado da região. Estas são as nossas missões e estamos buscando cumpri-las. O plano está quase pronto e já existe um projeto de lei na Assembleia Legislativa para aprovação desse modelo de governança com suas instâncias estabelecidas, com participação das prefeituras, do Estado e da sociedade civil.

Qual é o seu cargo aqui hoje?

Eu sou o Diretor Executivo, responsável pela coordenação de todos os trabalhos e, principalmente, das relações com os governos locais e com as demais instituições do Estado com atuação no território metropolitano no campo do desenvolvimento urbano.

Quais são as competências da Câmara Metropolitana?

Na busca da retomada da governança, temos atuado, primeiramente, num trabalho de produção de informações na escala metropolitana. Por não tratarmos do tema há muitos anos, ficou um vazio nesse processo de geração de informação e de compreensão mais amiúde do fato metropolitano. Então, uma de nossas tarefas é de restabelecer indicadores e informações sobre o fato metropolitano. A primeira providência foi a elaboração de uma cartografia atualizada da região e, a partir dela, uma série de outras informações estão sendo agregadas para que a gente compreenda melhor essa região e também pudesse ajudar na formulação das propostas estruturantes que estão contidas no plano diretor. Essa é a principal tarefa.

Há uma série de outras além da informação, como a concepção, a definição de prioridades, reuniões técnicas com os organismos setoriais do Governo de Estado e também com os governos locais. Então, temos feito um trabalho de tentativa de levantar as necessidades e, quando possível e com a ajuda de parceiros como a CODATU e outros, suprir necessidades de qualificação de pessoal, aprimoramentos sobre determinadas temáticas, da mobilidade, do desenvolvimento urbano e do ordenamento do território. Enfim, temos conseguido trabalhar estas questões e obtido bons resultados. Isto foi sendo configurado ao longo dos quatro anos e começa-se a se perceber um conjunto de pessoas, de lideranças técnicas nesses organismos já “antenados” com o tema e como podemos proceder para melhorar a nossa performance na prestação de serviços na região.

Desde quando você exerce este cargo?

Assumi o cargo quando o órgão foi criado em 2013. Agora estamos na fase final, de conclusão, de entrega dessas missões e compromissos.

Qual foi a sua trajetória profissional? Quais suas experiências anteriores e formação acadêmica?

Eu sou arquiteto e urbanista de formação. Faço agora um doutoramento em urbanismo na Universidade de Lisboa. É a terceira vez que tenho a oportunidade de trabalhar no Estado, nessa instância de governo. Fui Subsecretário de uma secretaria para o desenvolvimento da Baixada Fluminense. Quanto à outra experiência, fui o primeiro fundador e presidente do Instituto de Terras do Estado, e tinha uma atuação bastante importante na RMRJ.

Fora do Estado, na RMRJ, exerci o cargo de Secretário de Urbanismo na Prefeitura de Nova Iguaçu por 8 anos, onde é minha origem profissional. Também trabalhei na Prefeitura do Rio, na Prefeitura de Paracambi, de Queimados, de São João do Meriti. Enfim, atuei bastante na região ao longo de 40 anos sempre no campo de desenvolvimento urbano, responsável por planos diretores, pela concepção e pelo desenvolvimento de projetos estruturantes. Este é o meu cabedal.

O que te motivou a trabalhar nesta área? Como você veio parar neste meio?

Percebi atuando lá na ponta, e aqui também, que foi um erro do Estado se afastar da questão de desenvolvimento urbano. A questão está presente e ficou mais complexa, ou seja, perdemos tempo. Deixar de ter um organismo próprio para fazer essa integração gerou duas coisas: (i) ficamos mais frágeis para enfrentar um problema que ficou maior e mais complexo e (ii) acabamos incentivando muito a ação setorializada (habitação, transportes, saneamento), o que foi prejudicial também. Outras metrópoles do Brasil, e principalmente no mundo, passaram a construir projetos multifuncionais e a trabalhar nessa lógica de interdisciplinaridade do tema do desenvolvimento urbano. No Rio, só agora passamos a praticar isto e construir ambientes de cooperação, como esses projetos que temos desenvolvido com vocês, pois ajudam a germinar essa nova maneira de olhar. Não se pode mais olhar setorialmente. Não se trata de um problema só de mobilidade, só de saneamento, só de ordenamento de território, só de produção de habitação. Tem ações que são absolutamente multifuncionais e, para que deem certo, precisam ser concebidas como tal. Acredito que não há outro caminho.

Esta é, para mim, a principal motivação. Ou fazemos isto e avançamos, ou vamos continuar fazendo investimentos que produzem resultados aquém do que poderiam. Por exemplo, a Linha 2 do metrô, que tem 40 anos de vida. Ela tem estações que transportam hoje uma quantidade de pessoas menor do que transportavam 40 anos atrás. Isto não está correto para investimento e manutenção tão custosos. Onde é que erramos? Como corrigimos essa distorção? Um transporte robusto como esse, um investimento dessa magnitude deveria estar na sua capacidade máxima, numa fase de buscar soluções para aumentá-la. Isto é inaceitável.

Quais seriam os principais desafios para a implantação dos projetos?

O nosso principal desafio, de um ponto de vista institucional ou de governança, é que temos pouca prática de trabalho integrado. Isto, para mim, é um desafio maior do que as soluções técnicas. Existem várias alternativas e modelos que permitem hoje tomar uma rápida decisão com mais segurança. O problema não está na técnica ou no modal que você vai usar na solução de mobilidade, ou na modelagem de um desenvolvimento urbano espacial, onde você pode adensar mais ou menos. Pode-se decidir isso com muita firmeza e precisão. O problema está numa dificuldade nossa, do nosso pacto federativo inclusive, de trabalhar integradamente. Temos uma dificuldade muito grande de definir quem vai tomar conta do projeto. Isto é sempre uma discussão que acaba capitaneando todo o processo e considerando as outras questões como lateralidades. Não deve ser assim. Acho que hoje a principal dificuldade é esta.

Por outro lado, a principal vantagem é que esses espaços e territórios de grande sinergia, como é o caso da Central do Brasil, são um exemplo muito claro de quanto é necessário e de quanto é possível fazer um trabalho mais articulado, mais integrado. Eu acho que o contraponto a toda essa dificuldade que eu apontei está em saber eleger ações que são exemplares em termos de necessidade de buscar sinergia. Uma a uma, uma solução busca a outra, que ajuda uma terceira e o resultado acaba sendo melhor do que se podia imaginar. Escolher o projeto certo e fazer com que ele aconteça vai acabar provando que o melhor modelo de agir é de forma integrada.

E saindo de desenvolvimento urbano, só para reforçar essa necessidade de trabalhar junto. Na questão da violência, que hoje tanto afeta a imagem da cidade do Rio de Janeiro, acho que também temos que seguir exemplos pelo mundo que foram exitosos no combate, no enfrentamento de áreas urbanas degradadas, territórios urbanos fragilizados. Acredito que só vamos resolver se agirmos integradamente e, nesse caso, não só desenvolvimento urbano, entra o aspecto social, o econômico. Então, acho que o que veremos pela frente é ação integrada, esse é o futuro. Quem não entender que tem que trabalhar assim vai “enxugar gelo”.

Como você se vê nos próximos anos?

Pretendo continuar trabalhando. O problema é que minha situação aqui é muito desgastante, tivemos um momento de crise, então não sei como será. Mas eu não sei fazer outra coisa.

Estou estudando para poder estar mais atualizado para, possivelmente, poder prestar consultoria. Honestamente, não tenho muito desejo de ter cargo. Acho que a fila tem que andar. Já tenho 40 anos de formado, acho que meu papel agora é cada vez mais de apoio. Acho que o front está para os mais jovens. É assim mesmo a natureza da vida. Acho que tem que ter maturidade de entender isso, que é hora de passar mesmo o bastão. Continuar, mas mais no apoio, ajudando na formulação e nesse trabalho de concertação, que eu acho que a maturidade profissional pode ajudar. É o que eu pretendo fazer. Vamos ver se vai dar certo. Tem que dar, porque não dá para aposentar.

Entrevista realizada 09/03/2018